O carisma nasceu num tempo de múltiplos e difíceis desafios
A Fraternidade nasceu em meados da década de 80. Tal década foi tida como um tempo de conquista da democracia no Brasil, mas ao mesmo tempo de inicio de retrocessos em muitos setores da sociedade. Iniciou-se o processo dos "yuppies" num mundo que teve que “engolir” demoradamente Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Para quem vinha de uma realidade social e política de ativa militância e voltada a uma utopia, foi difícil ir adentrando numa outra realidade aonde as forças reacionárias, burguesas, conservadoras e de extrema direita ia ganhando mais e mais espaços.
O Papa João Paulo II quando numa capital do nordeste na sua primeira viagem em 1979 ao Brasil viu no meio de uma imensa multidão uma grande faixa com os dizeres: “Santo Padre, o povo passa fome”, ele re-escreveu o próximo discurso, chamando à consciência dos ricos diante da humilhação dos pobres. Disse corajosamente:
“É grave pecado social ricos cada vez mais ricos
à custa de pobres cada vez mais pobres”
à custa de pobres cada vez mais pobres”
O Santo Padre podia usar conceitos e chaves vindas do marxismo. Para mim, um jovem universitário na área das ciências sociais, que “pegou” ainda o finzinho da ditadura militar e também atuou contra ela, foi doloroso ler tal escrito dessa faixa nos jornais da época. Eu fazia parte de uma geração da qual “a fome do povo e dos pobres” doía de verdade na gente. Essa simbiose carnal entre militância e povo foi algo que não se descreve num espaço como este. Foi algo como Moisés no Egito dos ricos Faraós vendo os pobres estrangeiros sendo esmagados e suas entranhas doíam uma dor que não se explica e nem se cura com medicamentos laboratoriais mas com luta e consciência solidária. Vejamos os primeiros capítulos do livro do Êxodo.
Do lado de cá da Igreja Católica Romana os mais atentos e sérios sabem da virada que se deu. Uma Igreja que estava nos palcos, nas praças, nas romarias em prol dos direitos dos pobres, nas favelas, nas lutas agrárias do campo, nas dores e nos machucados do povo, passou-se para uma Igreja voltada demais para si mesma, para as refinadas liturgias, mil espécies de bênçãos, muita água benta e devocionismo desencarnado da realidade. Cresceu a galeria de Santos e Santas, a maioria desconhecida e nem sempre seus seguidores tem aplicado em suas vida hoje a fé profunda e profética que muitos recém-canonizados viveram em seu tempo.
A Igreja que antes era em grande parte de fato profética passou-se a ser uma Igreja apenas de “pró-senso”, e excessivamente dependente dos espaços “Curiais” onde aí se percebeu a distância cada vez maior e mais veloz do sofrimento dos pobres. Teoricamente a Igreja continuou mantendo um discurso “pelo povo” mas suas forças internas foram rearticuladas para outros cenários. Certamente esta é a dinâmica da história, a história do “pendulo” que vai à direita e depois volta à esquerda e assim sucessivamente.
A Igreja que antes era em grande parte de fato profética passou-se a ser uma Igreja apenas de “pró-senso”, e excessivamente dependente dos espaços “Curiais” onde aí se percebeu a distância cada vez maior e mais veloz do sofrimento dos pobres. Teoricamente a Igreja continuou mantendo um discurso “pelo povo” mas suas forças internas foram rearticuladas para outros cenários. Certamente esta é a dinâmica da história, a história do “pendulo” que vai à direita e depois volta à esquerda e assim sucessivamente.
Foi doloroso ver muitos projetos de “novos/as consagrados/as e padres” resumirem tão somente em “especializações” acadêmicas e sem nenhum vínculo com a vida e as cruzes dos pobres. Tais personagens buscaram carreirismo eclesiástico e ajuntou-se ao estilo de vida refinada típica da burguesia insensível aos pobres. Gastam seus anos de vida em assépticas academias, onde a maioria delas estão divorciada da vida e das tensões do povo, especialmente dos mais pobres.
Grande parte do novo clero, esta menos erudita, apoiu-se em quilos e quilos de panos e disfarçado autoritarismo sobre o povo e aí entrou na Igreja costumes medievais com hábitos - vestimentas e costumes - vindos dos baús dos séculos 14 a 18. Os pescoços foram engrossados e as casulas ganharam palcos e mais palcos. Havia entradas de missas onde focos de luz eram jogados sobre a pessoa do padre, vindo em solene procissão em meio ao templo escuro. Parece que se esqueceu que JESUS É QUE É A LUZ DO MUNDO POR EXCELÊNCIA. Falava-se mais com os quilos de panos que com a teologia, que sempre aparecia confusa, sem sistematização e longe de sério fundamento bíblico. Ter o desprazer de escutar de tais atores bem empanados que “Nossa Senhora viaja muito e ela sempre procurava ir à Itália, especialmente nas regiões mais montanhosas de lá”. Outra pérola do novo clero bem empanado em uma rede de TV católica num desses cenários de pregações no “Espírito” para platéia passiva e convidada apenas a bater palmas e levantar os braços:
“Eu tenho o poder de curar
porque recebi diretamente de Jesus esse poder
porque recebi diretamente de Jesus esse poder
e ELE sabe que jamais ELE vai me decepcionar”.
Nessa “teologia dos palcos e dos panos” a Mãe Igreja não parecia não ter mais nenhuma função-mediação e tudo passa a ser “diretamente com Jesus”. Incrível como o zelo eclesiástico diante dessas “deturpações da fé” ficou silencioso, que considero muito mais grave que a profecia da geração anterior e seriamente comprometida com a Igreja Povo de Deus e com o Deus Libertador de Jesus Cristo. O velho provérbio popular rural ganha atualidade numa Igreja excessivamente ad intra: “Quanto mais grossa a casca tem a laranja menos suco sai dela”.
A Fraternidade nasceu no cenário da Teologia da Libertação e isso não pode ser omitido ou escondido. A teologia da libertação que precisava e ainda precisa de síntese, tornou-se o “patinho feio” na Igreja. Como são tantas “teologias da libertação” fica difícil saber qual delas foi a que motivou o apaixonado surgimento da Fraternidade. O Papa João Paulo II escreveu aos bispos do Brasil na década de 90 assumindo que uma Teologia da Libertação é realmente necessária na Igreja. Incrível como hoje tem tanta gente que faz questão de esquecer isso.
De qualquer forma também fui e sou crítico aos exageros teológicos tanto da esquerda como da direita cristã e por isso a nossa Fraternidade tem toda sua sustentação eclesial no Magistério da Igreja, no Concílio Vaticano II, que continua sendo em grande parte ignorado pela direita católica.
De qualquer forma não entrou na Fraternidade um matiz com excesso de marxismo, que é o que mais assustava as Cúrias na segunda parte da década de 80 e toda década de 90. Uma coisa é certa: A Fraternidade nasceu a partir de uma reflexão libertadora da fé cristã e apoiou-se numa leitura bíblica não fria e meramente racional, mas apoiada na mística, e na medida em que se aprofundou essa mística sabe-se que ela está sempre mais perto da Pessoa de Jesus. Isso foi e é força na vida e na missão da Fraternidade até agora ao completar 25 Anos de Fundação, essa dimensão libertadora e profética da fé, que leva-nos a não tirar nossos pés e nossas mãos do mundo dos pobres e sofredores.
Os carismas na Igreja não são criações humanas como se cria uma empresa ou uma fundação filantrópica, mas ação e força do Espírito de Deus apesar dos pecados das pessoas. Deus suscita novas forças e meios para agregar suporte e apoio à missão salvadora da Igreja. Essa é para mim a centralidade de qualquer carisma, ter no seu ser e missão a obra salvadora em Jesus Cristo. Cabe aos carismas ungir, curar, recuperar e expandir as forças divinas do Reino de Deus neste mundo sempre e cada vez mais aliado ao anti-Reino. É perigoso quando carismas giram mais em torno de interesses pessoais de determinado líder ou visionário que numa ação evangélica gestada na difícil, mas apaixonante relação sororal de irmãos e irmãs, buscando a igualdade de filhos e filhas de Deus numa mesma família e missão. Sou um homem muito feliz, apesar do desgaste da missão e do estresse gerado por pouca estrutura ou por funções desenvolvidas de forma amadora quando se tem hoje “especializações” para tudo, até mesmo para lavar as mãos.
Deveria ainda dizer que a Fraternidade nasceu em época onde massas inteiras debandaram da Igreja católica para o neo-pentecostalismo? Onde intermináveis denúncias de pedofilia em muitas nações trouxeram constrangimento e sofrimento para o seio da Igreja? Onde fundadores e até bispos expuseram seus terríveis pecados diante da sociedade e de multidões de cristãos chocados? Onde Deus é sistematicamente negado ou sutilmente relativizado por uma mídia autoritária que impõem a ferro e fogo sua ideologia consumista e egocêntrica? Muitas são outras ainda as “lutas, perdas e crises” dessas duas últimas décadas que de uma forma ou de outra foram desafios para quem se enamorou e apaixonou por Jesus Cristo e sua missão tão profética e poeticamente relatada pelo incrível e atento evangelista Lucas 4,14-22ª.
Não estamos nos colocando como santos e até porque não somos, mas como filhos da Igreja e que nela o carisma encontra acolhida e confiança para servir a Deus e a ela mesma nesses tempos onde os desafios e “loucuras” dantes imagináveis fazem parte da realidade, inclusive eclesial. Encerro lembrando aqui a fala do Pe. Rafael L. Vilaseñoer.SX sobre a Fraternidade, hospedada neste modesto Blog no dia 27.08 último. Convido a ler a intuição sábia desse padre missionário e inserido no oceano humano de pobreza da zona leste de São Paulo. Amanhã escreverei sobre as grandes e abençoadas alegrias que o Bom Deus nos concedeu e concede nesses 25 Anos de caminha Pró-Missão solidária. SOLI DEO GLORIA! Amém!
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