Para aumentar a letra e ter melhor leitura, você pode fazer: CTRL + no seu teclado
ADVENTO DE 2011: partilha exortativa
Das trevas à Luz admirável e soberana!
“A caridade das obras garante
uma força inquestionável
à caridade das palavras”
João Paulo II, Novo millennio ineunte, 50
Saudação fraterna em Cristo, nossa Luz e nossa Paz!
No espírito do nosso PÓS JUBILEU DE 25 ANOS DE FUNDAÇÃO, recentemente encerrado e tão ricamente celebrado, faço comunhão com cada irmão, cada irmã, cada amigo/a e colaborador/a da missão da nossa pequena-grande Fraternidade. Esta minha humilde saudação de Advento faz parte de uma disposição fraterna quanto a uma comunhão maior e mais ativa a ser mais bem cultivada no Pós Jubileu e em estarmos mais próximos e mais sintonizados uns com os outros, naquela comunhão fraternal que só os irmãos e irmãs verdadeiramente em Cristo são capazes de fazer e manter.
Neste espaço abro parte do meu coração, hoje grandemente agradecido ao querido ABBA por todas as bênçãos e vida que Ele gerou e nos presenteou nesses 25 anos de Fraternidade. Muitas lutas, muitas provas e muitas vitórias estiveram sobre o “palco” do nosso Carisma nesses 25 Anos. Obviamente que nossos limites e pecados também fizeram parte desse processo, mas acima de tudo nossa reta intenção em servir com nossas forças e paixão pelo Reino de Deus os pobres e sofredores na Mãe Igreja. Isso fizemos cada dia, incansavelmente, desde a nossa fundação em 1986.
O Advento nos reorienta para o que deve ser o nosso centro espiritual: Jesus Cristo e o Reino de Deus. Nessas quatro semanas que antecedem o Natal, a rica liturgia da Palavra de Deus de cada domingo nos propõe um programa bem claro de conversão e ação. Que nossa disposição interior seja de fato renovada e iluminada para que acolhamos a Palavra de Deus nessa madura perspectiva: conversão e ação solidária;
Não é novidade mais para ninguém que somos hoje um povo que em grande parte anda nas trevas à procura de luz, como nos tempos do profeta Isaías. São tantas as forças anti-Reino que se colocam na atualidade que a nós cristãos resta sempre àquela lúcida pergunta de Pedro: “A quem iremos Senhor, só tu tens Palavras de vida eterna” – João 6,68; Pessoalmente tenho lido os textos de Zigmunt Bauman e que vem fazendo uma respeitosa análise das seqüelas da tão badalada globalização. Recomendo a leitura desse sério autor a quem ainda não o leu. Ele mostra de forma objetiva e com inúmeros fatos e pesquisas confiáveis que a sociedade pós-moderna está sempre mais enferma e a chamada “Sociedade Líquida” se impõe sem trégua em todos os cantos do globo. Tudo é relativo e perdem-se os fundamentos vários que devem sustentar a própria sociedade e as existências das pessoas. O sólido não tem mais espaço e vive-se desenfreadamente para o aqui e agora, como se não fosse haver um amanhã.
Na contrapartida dessa sociedade de valores líquidos – seria o caniço seco de que fala Jesus? Lc 7,24 – deveria estar bem definido e assumido um projeto cristão a partir do evangelho de Jesus de Nazaré. Mas o que se vê e se escuta atualmente é uma crise séria e que se agudiza também entre os próprios cristãos. A comunhão, tão cara para Jesus Cristo (João 17), parece não fazer parte do “cardápio” dos cristãos nesse nosso tempo. Os inúmeros grupos cristãos – Institucionais, Clericais, Ministeriais, Pré-conciliares, Pós-conciliares, Históricos, Pentecostais, Néo-pentecostais, cristãos exotéricos, doutrinários, cavaleiros com a espada, sem a espada, com barrete, sem barrete, com saia, sem saia... – é terrível ameaça à mística e a verdade cristãs e tira o crédito da força transformadora da fé quando ela é luz, sal e fermento. Para mim continua sendo chocante quando em atas e relatórios internos de cleros se lê que “precisa-se mais de união entre os padres”. E nas outras igrejas a coisa não é nada melhor em matéria de intra-comunhão. Pobre povo que depende de pastores que não cultivam entre si mesmos o amor e a caridade fraterna! Que prática de Igreja pode sair daí? Cuidamos neste tempo das tantas nuvens na Igreja e não nos esqueçamos das Bem Aventuranças – Mateus 5;
Neste “novo templo religioso e dividido” e de uma Igreja sem foco – fogo? - carece a dimensão profética e uma síntese evangélica que pudesse animar as forças do Reino de Deus, enquanto ainda se pode isso ser feito. Faltam-nos hoje lideranças de peso, ausente dos carreirismos e das vaidades eclesiásticas, menos preocupadas com “feudos religiosos” e voltadas para a dimensão da catolicidade – universalidade – da fé cristã. Mas ao lado dessa prática que se afirma hoje, nunca se falou tanto em missão. Precisaríamos re-conceituar o termo missão? Agora parece que tudo é missão. Ou tudo virou missão? Será?
Os programas típicos de missão, enquanto propostos pelo Rabi da Galiléia – Lucas 4, 14ss; - e que na América Latina gerou uma hermenêutica nas diversas lutas e esperanças dos pobres como as romarias da terra, das águas, as pequenas comunidades dos pobres ligando fé e vida, as organizações de reivindicações de direitos e justiça dos pequenos e dos injustiçados, muitas delas nascidas ou fortificadas dentro dos espaços da Igreja católica romana, enfim, todas as forças libertárias que conhecíamos e das quais também fazíamos parte, parecem não ter espaço na prática católica romana mesmo com a lúcida V Conferência de Aparecida.
Nunca se falou e se escreveu tanto sobre missão como atualmente. Mas onde está se dando a missão? Nas diversas práticas ad intra da Igreja? Essas sim estão muito bem e mantém milhões de cristãos passivos ante a vida e a realidade, sentados longas horas em poltronas e “bebendo” da fé católica através de canais de TVs católicas. Sabe-se que muitos desses cristãos passivos estão nos exercícios piedosos da Igreja e também sem nenhum compromisso com a própria doutrina da Igreja, quando se divorciam, quando não eliminam vícios como o alcoolismo, o tabagismo, adultérios, quando se fecham um olho para pecados de seus próprio familiares não apontando a eles a Pessoa e o projeto de Jesus Cristo, quando exploram, acumulam bens materiais ao lado da penúria dos pobres, expulsam de casa ou rejeitam o filho/filha por causa de sua orientação sexual, etc. Mas os maiores recursos da Igreja estão sempre disponíveis para a dimensão não profética da fé e vivemos um boom de grandes massas em estádios para receber a bênção do padre pop ou para o lançamento do seu último DVD ou livro de auto ajuda e endossando ao mais alto grau o seu ego.
As romarias piedosas, novenas, bênçãos para quase tudo, missas onde muitas vezes o centro nem é mais a própria eucaristia, terços e mais terços sem dimensão bíblica nenhuma ou sem nenhum vínculo com a vida, água benta engarrafada com etiquetas de mercado, visões espirituais e milagres para beatificar o fundador ou fundadora, a construção da mais imponente catedral ou do maior santuário da região, tudo com muito cheiro de cristianismo barroco, proliferam e se multiplicam neste nosso tempo.
Talvez seja preciso, por zelo eclesial e filial, informar ao Santo Padre que alguns até estão a ele dando função de fundador da Igreja, quando cantam ou gritam nas escadarias de templos e estádios que: “somos a Igreja do Papa Bento XVI”. Esses irmãos e essas irmãs não estariam incorrendo em grave erro de doutrina e visão bíblica da Igreja? A Igreja fundada por Jesus Cristo e conduzida pelo Santo Espírito e pelo Magistério, nunca foi reivindicada por nenhum Papa que se colocasse como fundador ou dono dela. Pela alta bagagem espiritual e séria competência intelectual que tem o atual Papa creio que se ofende a ele com tal “bravura” e “zelo” piedoso. Quando ele não for mais o Papa, esses irmãos e essas irmãs ficariam então órfãos, sem a Mãe Igreja?
“Neste mundo dividido,
impõe-se a todos uma profunda
e autêntica unidade
de coração, de espírito e de ação”
Papa Bento XVI, em Fátima – 13.05.2010
Ver em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2010/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20100513_pastorale-sociale_po.html
Não se pode esconder e nem fazer de conta, pois há um visível confronto entre dois modelos de cristianismo na Igreja Católica Romana hoje, que é o modelo clerical, centrado na autoridade, e o modelo ministerial, centrado no serviço solidário. O modelo clerical quer voltar para trás, ir para Trento – os sacerdotes - e recuperar uma “autoridade” que a Igreja nem tem mais hoje e nem precisa desse tipo de presença no mundo atual. Enquanto o modelo ministerial – presbíteros - quer ir mais longe que Trento, pois quer ir à origem, à fonte e à água pura do evangelho, a partir do que se definiu como a vida e a missão da Igreja feita pelo Concílio Vaticano II para o mundo atual e que continua sendo ausente das novas gerações de padres e religiosos, ao menos na sua grande maioria. Graças a Deus que o Papa Bento VXI sempre tem repetido que não se pode desviar dos caminhos eclesiais definidos pelo Concílio Vaticano II. Imaginamos se o Santo Padre não fosse atento e solícito para com o Concílio? Como estaria esse pessoal e grupos que “criam” uma Igreja apenas Papal, uma espécie de Igreja paralela a Igreja de Cristo? Aprofundar a mística da Unidade hoje é tão importante como buscar abaixar a febre num corpo já debilitado.
Nossa Fraternidade firma nesses 25 Anos sua consagração à Mãe Igreja dentro do âmbito do Concílio Vaticano II e da solidariedade com os pobres e sofredores, inclusive buscando entender e se aproximar dos novos rostos das novas pobrezas que se impõem hoje. Uma fé que não gera obras, que não leva à vida, sabe-se que não vem do evangelho. Parece que a prática cristã dispensa o corpo a corpo, a presença solidária e volta-se tão somente ao asséptico ambiente da sacristia. A partir daí se constata que nunca se escreveu tanto na Igreja como nessas duas últimas décadas. Alguém até parodiou que “o Verbo se tornou papel”, ficando marginalizada ou desfigurada a Pessoa que foi gerada pelo Verbo de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Nosso desafio é amarmos mais a Igreja, mas não uma fachada de Igreja que está se criando em muitos ambientes. Precisamos, na nossa Fraternidade, evitar confundir a fachada, a roupagem, o verniz, com o corpo e o espírito da Mãe Igreja. Enganar-se é mais fácil do que se imagina. E por isso há muitos enganos nos dias atuais.
Convido nossos irmãos e irmãs da Fraternidade a concentrarem toda a atenção na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini do Santo Padre Bento XVI, especialmente no número 103, onde de forma clara e concisa nos ajuda a compreender, neste tempo de tantas confusões e turbulências eclesiais e sociais, onde está o caminho e a síntese a ser assimilada e vivida na nossa prática cristã. O restante só tem sentido se antes se vive da Palavra geradora do amor e ardor solidário.
O evangelho desse primeiro domingo do Advento abre-se a fala de Jesus e fecha-se ela com duas palavras muito precisas e necessárias hoje: Cuidado e Vigilância! Marcos 13,33-37;
Creio que precisamos cuidar e vigiar para que:
- Não ofuscamos a profecia cristã e nem matemos a solidária ação em prol da vida;
- Não deixamos que o desencanto aposse de nós e invada nossos espaços de ação pastoral e humana. Que sejamos capazes de multiplicar o bem e saibamos diagnosticar com precisão paulina, qual a forma hoje é a melhor e a mais urgente no serviço que se presta ao Reino de Deus neste tempo de tantas forças do anti-Reino;
- Independente do tipo de saída que se dará para as crises da globalização - crises que intoxica o ecossistema e inferniza e neurotiza a vida de milhões, lhes roubando o sentido vital da existência, quando são transformados em meras marionetes de consumo - concebe-se hoje de forma urgente que se precisa reaprender a viver.
- Estejamos atentos e abertos aos novos sinais de uma retomada da pedagogia do Reino, mais voltada para a ortopráxis do que apenas ficar centrados na ortodoxia. Aqui mesmo em São Paulo, na vasta Região Leste, já se sente novos sinais nesse sentido e eles precisam ser acolhidos e fortificados.
- Neste mundo secularizado, inclusive aonde nossa Igreja Católica vem perdendo multidões cada ano, não tenhamos medo de dizer o que também nós vamos ver em Belém – Lucas 2,15. Belém nos traz o ACONTECIMENTO/PESSOA maior de nossas escolhas e de nossas esperanças. Centramos então n’Ele nossos olhos e nossos corações.
Não percamos também a humildade de que precisamos de Deus cada dia e nem a consciência de que Deus não fará nada sem nós. Assim, possamos neste tempo de caminhada vigilante e esperançosa renovar nossa disposição reinocêntrica para Deus e para sua Vontade na Mãe Igreja. Mesmo com as crises internas e externas na Igreja, caminhamos com ela e nela, pois é mais evangélico estarmos sintonizados com às dificuldades dos consensos que com às facilidades das omissões.
Com esta humilde partilha mais centrada na esperança que na análise, desejo que cada irmão e cada irmã possa viver um abençoado tempo de Advento. Que o Natal do Senhor seja para nós de fato o Tempo do Senhor em nosso tempo e que não percamos nas tramas do consumismo sem ética e sem senso de solidariedade com as multidões que estão nas “calçadas” da globalização. A todos e a todas, deixo meu abraço fraterno, com apreço e preces! Pe. Cyzo Assis Lima,fpm – e-mail: fraternidadeul@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário