A Fraternidade parabeniza o Papa Emérito,
Joseph Ratzinger pela passagem dos seus 86 anos de vida e missão no último dia 16.04.
O artigo a seguir é tocante e justo:
Humildade:
a encíclica de Bento XVI na hora da despedida
Bento XVI não publicará a
encíclica sobre a fé – embora em fase avançada – que devia apresentar na primavera. Já não tem tempo. E nenhum sucessor é
obrigado a retomar uma encíclica incompleta do próprio predecessor. Mas existe
outra encíclica de Bento XVI, escondida no seu coração, uma encíclica não
escrita. Ou melhor, escrita não pela sua
pena mas pelo gesto do seu pontificado. Esta encíclica não é um texto, mas uma
realidade: a humildade.
A 19 de abril de 2005 um
homem que pertence à raça das águias intelectuais, temido pelos seus
adversários, admirado pelos seus estudantes, respeitado por todos devido à
acutilância das suas análises sobre a Igreja e o mundo, apresenta-se,
recém-eleito Papa, como um cordeiro levado para o sacrifício. Utilizará até a
terrível palavra «guilhotina» para descrever o sentimento que o invadiu no
momento em que os seus irmãos cardeais, na Capela Sistina, ainda fechada para o
mundo, se viraram para ele, eleito entre todos, para o aplaudir. Nas imagens da
época, a sua figura curvada e o seu rosto surpreendido testemunham-no.
Depois teve que aprender
o mister de Papa. Extirpou, como raízes arraigadas sob o húmus da terra, o
eterno tímido, lúcido na mente mas desajeitado no corpo, para o projetar
perante o mundo. Foi um choque para ambas as partes. Não conseguia assumir a
desenvoltura do saudoso João Paulo II. O mundo compreendia mal aquele Papa sem
efeito. Bento XVI nem teve os cem dias de "estado de graça" que se
atribuem aos presidentes profanos. Teve, sem dúvida, a graça divina, fina mas
pouco mundana. Contudo teve, ainda e sempre, a humildade de aprender sob os olhares
de todos.
Foram sete anos terríveis
de pontificado. Nunca um Papa teve, num certo sentido, tão pouco
"sucesso". Passou de polémica em polémica: crise com o Islão depois do seu discurso de
Ratisbona, onde evocou a violência religiosa; deformação das suas palavras
sobre a Sida durante a primeira viagem à África, que suscitou um protesto
mundial; vergonha sofrida pelo explodir da questão dos sacerdotes pedófilos,
por ele enfrentada; o caso Williamson, onde o seu gesto de generosidade em
relação aos quatro bispos ordenados por D. Lefebvre (o Papa revogou as
excomunhões) se transformou numa reprovação mundial contra Bento XVI, porque
não tinha sido informado sobre os discursos negacionistas da Shoah feitos por
um deles; incompreensões e dificuldades de pôr em ação o seu desejo de
transparência quanto às finanças do Vaticano; traição de uma parte do seu grupo
mais próximo no caso Vatileaks, com o seu mordomo que subtraiu cartas
confidenciais para as publicar...
Não teve nem sequer um
ano de trégua. Nada lhe foi poupado. Às violentas provações físicas do
pontificado de João Paulo II, ao atentado e ao mal de Parkinson, parecem
corresponder as provações morais de rara violência desta litania de
contradições sofrida por Bento XVI. Ao renunciar, o Papa eclipsa-se. À própria
imagem do seu pontificado. Mas só Deus conhece o poder e a fecundidade da
humildade.
Jean-Marie Guénois
In Le Figaro
Magazine, 15-16.2.2013
Transcrição: L'Osservatore Romano